16 fevereiro 2008

Depoimento interessante

O amigo é o José Elias, desenhista de mão-cheia, larga experiência no ramo publicitário. Leiam seu depoimento:

"Sábado, 9 de fevereiro, fez um ano que cheguei.

Reflexão? Sim, é normal que eu a faça e também que quem acompanha meu blog queira saber.
Pois bem, o melhor que posso dizer é: é possível um país com um mínimo de decência,
1) onde se anda nas ruas a qualquer hora com risco de criminalidade quase nulo;
2) com um trânsito sem loucuras, onde as motos são raras, os ônibus pontuais e bem-cuidados pelas pessoas, em que não se vê tantos carros nas ruas, os pedestres têm realmente preferência e nem por isso abusam dela;
3) onde as ruas são limpas, e há muito verde, mesmo nas grandes cidades;
4) onde há investimento em cultura e pesquisa e interesse por ser o melhor nesse tipo de coisa, em vez de ser o melhor apenas em Copa do Mundo de futebol.
5) onde a palavra dada vale muito;
e mais outros exemplos de coisas que não são apenas boatos, acontecem mesmo por aqui. Coisas também que não me levam a classificar o país como paraíso. Eu diria apenas que ele é o que eu entendo ser o normal.

E, tendo agora essa experiência como parâmetro, ficou ainda maior o meu desânimo quanto ao país em que nasci. Há muito tempo queria sair dele, ver como seria em outro lugar, por ter perdido a esperança nos seus governantes, por detestar o tal do jeitinho brasileiro, por ver uma mídia que contribui para o aumento da burrice (que não é pouca), quando deveria ser o contrário.

É muito triste pensar que, embora eu tenha muitos parentes e amigos, embora eu sinta falta do joguinho de futebol de salão duas vezes por semana (como fazia com os amigos em Ribeirão Preto), ou de certas opções culinárias, eu ainda assim não tenha, hoje, o menor desejo de voltar a morar no Brasil. É possível que eu volte, é possível que eu venha querer. Mas ter a possibilidade de comparar só reforçou a opinião que eu tinha quando saí: o Brasil está longe, muito longe, de ser o que a gente gostaria que fosse - basicamente, um lugar tranquilo e justo.

Estar muito distante de quem eu gosto de encontrar é o ponto mais difícil, primeiro porque as pessoas importantes são insubstituíveis, e também não é tão simples fazer amigos alemães. O obstáculo da língua, o receio de interferir nos costumes que não conhecemos bem - essas coisas fazem com que as amizades demorem a vir. Amizades com outros estrangeiros são mais fáceis, especialmente com sul-americanos, mas a maioria é população flutuante, aqui. Acabam sendo amigos que vêm e vão.

Os alemães ficam na deles, normalmente, e costumam ser muito educados quando solicitados. Ficou claro pra mim que gente é gente em qualquer lugar - há os que parecem sempre estar de mal com a vida, os que estão sempre sorrindo, os que buzinam por qualquer coisa no trânsito, os adolescentes que têm os mesmos papos e interesses dos brasileiros, as pessoas que falam uma coisa e fazem outra, até os mendigos, enfim... Se formos comparar o quesito "perfis", pode imaginar qualquer um e vai encontrar aqui. O que faz os países diferentes é a frequência deste ou daquele tipo de pessoa, pois quase todo nativo aqui tem comida em casa e oportunidade pra estudar.

Os mais velhos são em geral os mais preconceituosos com estrangeiros. As gerações mais novas já vêem isso como uma coisa mais normal. Particularmente, existe um outro povo que não quero citar, vindo de outra região, com o qual não me identifico, ao contrário dos nativos.
Sobre o clima: nesse aspecto, eu sou mesmo europeu. Hoje cedo, por exemplo, havia uma neblina muito densa, não se via mais do que 30 ou 40 metros adiante. Fui levar a Déborah até a escola, e me sinto muito bem andando pela rua com esse tempo e temperatura, muito mais à vontade do que quando morava em Ribeirão Preto, no calor de 30 graus ou mais.

Sobre comida: a brasileira é mais variada e saborosa, tem mais opções de frutas, tem feijão e mandioca. Faz falta, sim, mas já concluí que não é nada que me cause desespero.
Sobre trabalho: seja melhor que um alemão e terá seu emprego - mesmo que de pedreiro ou garçom. Uma boa oportunidade pra eu reforçar que, mesmo pra pedreiro ou mecânico de automóveis, existem cursos.

Vou deixar outras reflexões pra o futuro. Já falei demais pra uma postagem só.
"


Obrigado por autorizar-me a publicar seu depoimento, Zé. Creio que será de extrema valia para muitas pessoas.

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